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Como usar a jurisprudência na pesquisa jurídica

jurisprudência e pesquisa jurídica
jurisprudência e pesquisa jurídica

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Como usar a jurisprudência na pesquisa jurídica

É inegável a importância da jurisprudência na pesquisa jurídica. Contudo, a utilização da jurisprudência como fonte de pesquisa deve ser efetuada com rigor metodológico. E é aí que muitos pesquisadores cometem alguns equívocos que reduzem significativamente o impacto de seu trabalho.

É natural que parte significativa dos estudos em direito se concentre no estudo de decisões judiciais. Com efeito, parte substancial do direito é produzida pelos tribunais. O grande jurista norte-americano Oliver Wendell Holmes, Jr., por exemplo, atribuía às decisões judiciais o papel fundamental de ser o ‘motor’ da evolução do direito. De acordo com ele, o direito evolui como resultado da evolução social. Essa evolução, por sua vez, se expressa por meio das decisões rotineiramente produzidas pelos tribunais.

Oliver Wendell Holmes, Jr.
Oliver Wendell Holmes, Jr.

Assim, é bastante evidente a relevância da jurisprudência como fonte de pesquisa para o jurista. No entanto, muitos pesquisadores a utilizam equivocadamente do ponto de vista de uma abordagem metodologicamente consistente.

Nesse post, abordarei três grandes equívocos usualmente cometidos em trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado em direito. Em primeiro lugar, destaco o equívoco de tomar a jurisprudência como postulado de fé não criticável. E, em segundo lugar, destaco a ausência de sistematicidade na discussão da jurisprudência como vício de parte das pesquisas em direito. Além disso, destaco um terceiro equívoco, que é a utilização ideológica da jurisprudência para confirmar opiniões antecedentes do pesquisador.

1 A jurisprudência não é um dogma de fé: você pode (e deve) criticá-la

Não é raro ler trabalhos acadêmicos na área jurídica que se limitam a expor a jurisprudência sobre a matéria investigada, afirmando a prevalência de uma suposta posição como motivo único para constatar sua suposta ’superioridade’. Todavia, essa abordagem é problemática por pressupor uma concepção de pesquisa bastante equivocada.

Umberto Eco, em sua obra “Como se faz uma tese”, distingue dois tipos de pesquisa. Em primeiro lugar, diz Eco, existem as chamadas ‘teses de compilação. Essa modalidade de pesquisa tem por objetivo apenas reproduzir os vários pontos de vista a respeito de uma determinada questão. Nas palavras do erudito autor: 

Numa tese de compilação, o estudante apenas demonstra haver compulsado criticamente a maior parte da “literatura” existente (isto é, das publicações sobre aquele assunto) e ter sido capaz de expô-Ia de modo claro, buscando harmonizar os vários pontos de vista e oferecendo assim uma visão panorâmica inteligente, talvez útil sob o aspecto informativo mesmo para um especialista do ramo que, com respeito àquele problema específico, jamais tenha efetuado estudos aprofundados. (ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Trad. Gilson Cesar Cardoso de Souza. 21. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008. pp. 2-3).

Algumas teses de compilação muito bem feitas podem vir a ser consideradas particularmente interessantes. Podem ser tão exaustivas quanto ao tema que se tornam excelentes referências sobre a questão. Mas, em regra, indicam a imaturidade acadêmica do aluno, por ser um trabalho menos crítico, que exige menor esforço intelectual. A compilação exige pouca autonomia e capacidade de reflexão em relação ao material de estudo, produzindo meno.

Umberto Eco
Umberto Eco

Em segundo lugar, Umberto Eco refere as  ’teses de pesquisa’, consideradas trabalhos mais exaustivos por exigirem trabalho superior de sistematização e análise autônoma do material. Nas teses de pesquisa, é preciso investigar o tema de maneira menos panorâmica, com o objetivo de discutir exaustivamente um problema proposto. O investigador, em uma tese de pesquisa, deve se mostrar apto a dar uma resposta ao problema de pesquisa identificado, posicionando-o de maneira fundamentada na literatura teórica utilizada como marco referencial.

A mera reprodução da jurisprudência é compilação, não pesquisa

Sob esse prisma, é evidente que o mero trabalho de consultar a jurisprudência e retratar as diferentes posições, sinalizando o posicionamento mais atual das Cortes, se aproxima mais de uma ’tese de compilação’. Tal modalidade de pesquisa, embora seja adequada aos trabalhos de conclusão de curso e de especialização (pós-graduação lato sensu), é inadequada para os graus de mestrado e doutorado. O próprio Eco estabelece tal paralelismo: “E aqui cabe uma primeira advertência: pode-se fazer uma tese de compilação ou uma tese de pesquisa: uma tese de licenciatura ou de PhD” (p.3).

Numa tese de pesquisa que se baseie na jurisprudência como material a ser investigado não pode se limitar a apresentar os diversos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários. Com efeito, tal abordagem seria insuficiente para uma pesquisa de mestrado ou doutorado, que exigem maior grau de maturidade na análise do material. O candidato a um desses graus acadêmicos deve ter em mente a finalidade de sua pesquisa, refletindo o problema que se deseja resolver com ela. Somente assim poderá desenvolver uma pesquisa de fato.

A coleta de decisões judiciais é pressuposto para a análise teórica

O trabalho de compilação das posições jurisprudenciais é um mero pressuposto à reflexão posterior. E é nessa análise que o pesquisador deverá examinar as decisões judiciais a fim de posicionar-se. Tal análise deve ser efetuada a partir do marco teórico escolhido, bem como com vistas a resolver o problema proposto. Nessa perspectiva, o trabalho de compilação da jurisprudência é sempre o início do trabalho. É o ponto de partida da pesquisa, efetivamente, que se constituirá a partir da análise desse material.

Muitos alunos têm o receio de questionar a posição de tribunais e juízes. Tal receio, da perspectiva acadêmica, é infundado. O meio acadêmico é o local onde, primordialmente, deve partir a crítica às instituições. A universidade é o fórum máximo da liberdade de expressão. Inexiste qualquer hierarquia acadêmica entre juízes/tribunais e um trabalho acadêmico.

Além disso, a expressão ‘crítica’, inclusive, não significa que a posição a ser defendida será contrária ao entendimento jurisprudencial predominante. Crítica, de uma perspectiva acadêmica,  remete apenas à reflexão, em bases teóricas, sobre o problema e o objeto de estudo propostos. Assim, não há porque ter receio de criticar instituições ou entendimentos jurisprudenciais consolidados. 

2 A ausência de sistematização conceitual da jurisprudência analisada

Outro equívoco muito cometido na redação de textos científicos em direito consiste na utilização esparsa da jurisprudência. Não é raro encontrar trabalhos que sequer sistematizam a jurisprudência utilizada. Referem-se vários e vários julgados sem mencionar a relação entre eles, discutir os conceitos debatidos ou examiná-los profundamente à luz dos elementos teóricos debatidos ao longo do texto. Em alguns casos, são páginas e páginas de ementas de julgados citados a esmo, com parca discussão.

Talvez esse equívoco esteja relacionado à redação jurídica profissional. Na redação de petições e decisões judiciais, é comum observar-se a citação de diversas ementas de julgado como reforço teórico à argumentação. Trata-se de evidente recurso à autoridade das decisões. É um recurso importantíssimo para demonstrar a compatibilidade da tese jurídica sustentada com a tradição jurisprudencial.

Argumentação acadêmica é diferente da profissional

Contudo, a argumentação acadêmica é diferente. Nela, a autoridade de uma decisão judicial tem pouca relevância, por ser ela mesma parte do objeto de estudo. Por essa razão, é importante problematizar a jurisprudência examinada, analisando detidamente os argumentos afirmados pelos juízes, desembargadores e ministros. É importante, também, confrontar as razões invocadas em um julgado com as enfrentadas em outra decisão. Não basta apenas citar as ementas; é preciso examinar exaustivamente os julgados.

Além disso, também é importante definir os critérios utilizados para sistematizar as decisões escolhidas. São vários as possibilidades de uso da jurisprudência na pesquisa jurídica, informadas pelo marco teórico escolhido e pelo problema de pesquisa. Por exemplo, imaginemos uma análise em pesquisa empírica fundamentada na imparcialidade das decisões. Ela pode, por exemplo, se concentrar em metadados da decisão a fim de verificar se há um viés voltado a favorecer determinadas partes. Uma análise fundamentada na teoria da argumentação, por sua vez, buscaria confrontar as teses jurídicas dos julgados selecionados. Em qualquer caso, a teoria utilizada auxiliará a definir os critérios de sistematização e comparação das decisões. Os critérios, contudo, seriam diferentes em cada caso.

A sistematização é importante por reforçar o conteúdo da argumentação de sua dissertação/tese. Sem ela, a jurisprudência selecionada será apenas “ruído” sem sentido. O leitor não compreenderá o motivo de determinados julgados terem sido escolhidos em detrimento de outro, e nem tampouco os elementos conceituais utilizados para examinar as decisões debatidas. Em outras palavras, não faz sentido algum citar a esmo decisões judiciais. E isso é um equívoco muito, muito comum em determinados trabalhos acadêmicos.

3 A utilização ideológica da jurisprudência na pesquisa jurídica para confirmar opiniões antecedentes do pesquisador.

A jurisprudência não deve ser utilizada na pesquisa jurídica para confirmar opiniões, preconceitos e a ideologia do pesquisador. Muitos pesquisadores, com o intuito de demonstrar sua posição a qualquer custo e “provar” seu ponto, seleciona a jurisprudência com base na sua própria perspectiva anterior ao trabalho. Mas esse é um equívoco metodológico bastante grave, na medida em que a própria seleção dos julgados está contaminada pela opinião do pesquisador. 

Ainda que não se acredite na neutralidade de uma pesquisa, é preciso considerar o dever ético do pesquisador de buscar ser o mais isento possível na seleção do seu objeto de estudo. Deixar-se contaminar por valores, crenças e postulados ideológicos desde o início da pesquisa não atende a esse postulado ético da pesquisa.

É preciso exercer juízo autocrítico de reconhecer esses valores e, na medida do possível, buscar formular um juízo mais neutro, considerando não apenas os julgados que comprovam uma determinada tese, mas também aqueles que seriam contrários a ela. Somente assim é possível desenvolver uma pesquisa científica metodologicamente adequada.

É certo que a seleção dos julgados passa pela definição de critérios claros, fundamentados na perspectiva teórica adotada. Mas daí não se segue que essa seleção – teoricamente fundamentada – é ideológica. O exercício de fundamentação típico de uma pesquisa metodologicamente consistente, com o esclarecimento das premissas teóricas utilizadas, já torna o trabalho sustentado em bases não ideológicas.

A utilização ideológica da jurisprudência na pesquisa jurídica ocorre quando o pesquisador não está consciente das premissas teóricas utilizadas, utilizando-se de opiniões fundadas no “senso comum” como se se tratassem de verdades inquestionáveis. E esse é um equívoco inaceitável para uma pesquisa científica.

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